” Carrego comigo
há dezenas de anos
há centenas de anos
o pequeno embrulho.
Serão duas cartas?
será uma flor?
será um retrato?
um lenço talvez?
Já não me recordo
onde o encontrei.
Se foi um presente
ou se foi furtado.
Se os anjos desceram
trazendo- o nas mãos,
se boiava no rio,
se pairava no ar.
Não ouso entreabri- lo.
Que coisa contém,
ou se algo contém,
nunca saberei.
Como poderia
tentar esse gesto?
O embrulho é tão frio
e também tão quente.
Ele arde nas mãos,
é doce ao meu tato.
Pronto me fascina
e me deixa triste.
Guardar um segredo
em si e consigo,
não querer sabê- lo
ou querer demais…”
Carlos Drummond de Andrade. Carrego comigo. A Rosa Do Povo. Círculo do Livro. São Paulo, 1945
VEM comigo!
Imagem: Marii Freire
Santarém, Pá 28 de Julho de 2020