Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais.
Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ter o que nunca tive: apenas duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas, a ausência inútil de terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma pessoa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.
Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia, a covardia é o que de mais novo me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão grande que só a grande coragem me leva a aceitá-la, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir.¹
Clarice Lispector. A Arte de Tocar O Inexpressivo. Como descobrir e apreciar os aspectos mais inovadores de sua obra/ Emilia Amaral. 1 ed. Faro Editorial. Barueri, 2017
Marii Freire Pereira
https://pensamentos.me/ VEM comigo!
Imagem: Pinterest. Camila Marchetti/ Fotografia, Viagens e Inspiração
Santarém, Pá 2 de novembro de 2020