Saio do meu poema
como quem lava as mãos.
Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.
Talvez alguma concha
dessas ( ou pássaros) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu
talvez, como a camisa
vazia, que despi.
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.
Eu me refúgio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.
João Cabral de Melo Neto. Psicologia da composição ( trecho), 1946 – 1947
Marii Freire
https://Pensamentos.me/VEM comigo!
Imagem: pinterest/ Revista Bula
Santarém, Pá 17 de fevereiro de 2023

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