Entre mim e os mortos há o mar
e os telegramas.
Há anos que nenhum navio parte
nem chega. Mas sempre os telegramas
frios, duros, sem conforto.
Na praia, e sem pode sair.
Volto, os telegramas vêem comigo.
Não se calam, a casa é pequena
para um homem e tantas notícias.
Vejo-te no escuro, cidade enigmática.
Chamas com urgência, estou paralisado.
De ti para mim, apelos,
de mim para ti, silêncio.
Mas no escuro nos visitamos.
Escuto vocês todos, irmãos sombrios.
No pão, no couro, na superfície
maciça das coisas sem raiva,
sinto vozes amigas, recados
furtivos, mensagens em código.
Os telegramas vieram no vento.
Quantos sertão, quanta renúncia atravessaram!
Todo homem sozinho devia fazer uma canoa
e remar para onde os telegramas estão chamando.
Carlos Drummond de Andrade. Notícias. A Rosa Do Povo. Círculo do Livro. São Paulo, 1945
VEM comigo!
Marii Freire Pereira
Imagem: Instagram, Ipanema cool
Santarém, Pá 7 de junho de 2020
