Marii Freire Pereira

” O meu senso de Justiça sempre me guiou diante de qualquer decisão. Se eu, Marii não tivesse me formado em Direito, ainda assim, em qualquer outra área que atuasse, certamente, essa característica relacionada a Justiça, iria sobressair de qualquer maneira “

Quando eu era criança, mesmo tendo pouca capacidade de avaliar determinadas questões que me causava incômodo, nunca deixei de dizer dentro de mim, que o que eu via e ouvia era errado. Lembro de ouvir frases em relação a pessoas que diminuíam as suas qualidades como indivíduo por ser negro, gay, por ver mulher apanhar. Quando eu nasci em 1979, bater em mulher era considerado algo ” normal”. Afinal, se dizia que todos os casais tinham problemas e ninguém tinha nada com isso, ou seja, ninguém “deveria meter a colher “. A violência contra a mulher vem de ” longa data”. Recordo, aos meus 5, 6 anos, não sei dizer direito, de ter visto a minha mãe levar um tapa em seu rosto, dado pelo meu padrasto, que aquela dor que ela sentiu, dói em mim até hoje. Esses dias, eu estava falando pra ela sobre essa situação. E, surpreendente, ela me disse: ” Eu esqueci desse acontecimento”. Respondi de imediato ” Mas, eu não”. Esses atos ficam sempre muito vivos na memória de uma criança. Então, muitas questões foram latentes dentro de mim para aguçar esse senso de Justiça. A verdade é que, muito do que nos tornamos, vem do que se alimenta internamente. Posso dizer que, a Justiça sempre me incomodou bastante, ou pelos menos, a falta dela. Claro, não só por acontecimentos relacionados a minha família. Mas principalmente, por questões que às vezes, eu não tinha nenhuma ligação, como não tenho hoje. Porém, não é porque não me pertence que ” não me toca”. A grande questão é que a maioria das pessoas fecham os olhos, ou finge não vê-las. Mas elas estão todas na nossa frente.

Há quem não se importe com essas histórias. A consciência de cada um é particular. Mas é preciso insistir, é preciso procurar olhar para para a dor do outro, ou “dos outros” com humanidade. Se você tem um problema e se afasta dele, simplesmente, não o resolve. Mas se trabalha no sentido de buscar a solução, certamente, é um passo ao progresso. Além disso, ajudar a quem precisa faz com que, nos tornemos mais humanos. Apesar de ter tido, uma infância desafiadora, o desejo pela justiça sempre prevaleceu em mim.

Talvez, por ter uma infância pobre, e ao mesmo tempo, ter começado a estudar tarde, eu abracei esse “tempo perdido ” com muita sagacidade. Muitos desafios pela frente, mas o desejo de Justiça que carrego até hoje, sempre foi uma característica gritante em mim. O meu foco era ser uma aluna 100% “. Como não tinha livros, nem condições de comprá-los, eu estudei a vida inteira em escola pública e, a tarde ia complementar o conhecimento em bibliotecas públicas de minha cidade. Eu recordo que via muitos dos meus amigos ” curtindo a vida” e eu não, simplesmente, estava com a cara nos livros. Além disso, digo, “além do esforço” ouvi muitas frases contrárias aos meus sonhos, mas não me deixei levar por isso. O desafio é algo que gosto, porque ele exige mais de mim. E pra falar a verdade, todo mundo gosta do que é difícil, porque a recompensa é sempre mais interessante. Ainda tenho alguns sonhos ” engavetados ” e costumo brincar dizendo que “até aos 65 anos, continuo sonhando”. Depois que eu parar, muitos outros continuarão sonhando por mim.

Hoje, escrevo para mulheres que vivem em situação de violência, e tudo isso é muito gratificante, porque se percebe o quanto elas precisam de esclarecimento para lutar por si, e lutar também por seus direitos. Essa iniciativa de falar, e fazer justiça, às vezes incomoda muita gente, mas é necessário falar, porque é só construindo essa ponte através do diálogo que se consegue romper a barreira da ignorância. Esse tema que trabalho dentro do Direito da Mulher – que escrevendo e falo diretamente ao público feminino, é justamente para alertar, e dizer a essas vítimas que elas têm a proteção da lei. Há resistência obviamente. A gente sabe que muitas mulheres têm medo de denunciar o seu agressor, ou mesmo, sair desse tipo de situação ( sabemos que não é fácil), mas precisa ser um trabalhado minucioso para obter bons resultado.

A minha voz ecoa, assim como muitas outras vozes femininas, para ajudar essas mulheres que diante do silêncio, se tornam presas fáceis dessa brutalidade que é a violência praticada por seus atuais ou ex-companheiros. Já me disseram que eu era uma ativista por defender essa causa, que seja. O importante é que o meu senso de justiça está fluindo. Creio que cada ser humano, tem uma característica própria, a minha é essa, eu gosto do que faço. Eu venho de uma família com pouco estudo, e procurei superar isso, de modo a ter orgulho de chegar até aqui. Gostaria muito de ter alguém a meu lado hoje, minha avó, que sempre me incentivou, mas ela já partiu […], e deixou boas referências de como ser humano honesto. A honestidade é uma qualidade heroica para poucos, e ela rem essa ligação com o senso de Justiça. Por isso, busco me concentrar e fazer o melhor. Creio que o importa, é tentar construir um mundo mais justo e igualitário com o pouco que temos e, não esperar dos outros, a resposta que precisamos.

Marii Freire Pereira

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Imagem: pinterest/ Mariana Díaz/ themis

Santarém, Pá 14 de julho de 2022

Publicado por VEM comigo!

Bacharela em direito, Pós- graduada em Direito Penal e Processo Penal.

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